domingo, novembro 06, 2011

Quais são as funções do Estado?

A seguir, a transcrição de uma palestra do sociólogo Demétrio Magnoli na qual ele fala sobre o tamanho do Estado brasileiro e como a grande maioria da população brasileira enxerga esse tamanho:

Eu vou discordar do consenso de que a idéia de reduzir o Estado é uma boa idéia. Quando falamos sobre o Estado, falamos, por exemplo, sobre segurança pública. O Estado é grande em segurança pública no Brasil? Eu não vejo sentido nessa pergunta, pois ela não tem resposta. Num morro aqui no Rio, o Estado é mínimo em segurança pública, a não ser que a gente considere que a gente considere que o “Estado do B” é o Estado, pois o Estado tem tanto a “polícia do A” quanto a “polícia do B” no morro, e relações com a “polícia do C”, que é o narcotráfico. Nesse caso, eu não acho que o problema seja o tamanho do Estado.

Em certos lugares de muitas cidades do Brasil, existem bairros imensos com pouquíssimos postos de saúde. Deveria haver mais postos de saúde, e não menos. O Estado está sendo mínimo.

Se você olhar para as escolas públicas da maioria do Brasil, elas são ruínas. O Estado lá é mínimo. É um Estado arruinado. São vidros quebrados e professores que não vão dar aula. Esse Estado é mínimo.

Por outro lado, a Eletrobras, a Petrobras, as atribuições dessas estatais, enfim, isso é imenso, isso é um escândalo, isso é um exagero.

Eu acho que o Estado tem funções. Eu acho que seria importante, politicamente, definir essas funções. Ao contrário de outras pessoas aqui, eu acho que o Estado tem a função de assegurar a educação pública para as pessoas, e de boa qualidade. Eu acho que ele tem uma função na segurança. Eu acho que ele tem uma função crucial na saúde. Eu acho que, do ponto de vista da eficácia do discurso político, dizer: “O nosso Estado é máximo; precisamos de um Estado mínimo” é jogar toda a população nas mãos de quem quer um Estado máximo, ou seja, o capitalismo de Estado. Para a população, esse discurso não faz sentido.

Para a maioria dos brasileiros, não faz sentido dizer que o nosso Estado é máximo, porque, para eles, é mínimo, porque não tem segurança, não tem postos de saúde, e por aí afora. Então, do ponto de vista político, eu acho que o discurso de quem se opõe ao capitalismo de Estado e ao autoritarismo que vem junto com ele deveria ser: “O nosso Estado serve para beneficiar o grupo dos amigos do poder, e o nosso Estado deveria beneficiar a população, que paga impostos. O nosso Estado teria que fazer isso, aquilo, aquilo outro, e fazer muito bem”. Esse discurso teria um apelo popular. O povo quer um Estado que atenda as suas necessidades, mas a sua necessidade não é articular um bloco de poder político e econômico em torno de empresas estatais. Isso não é uma necessidade do povo.

O cenário político do Brasil não é um no qual a população que vota esteja disposta a dizer: “Deve-se privatizar os serviços públicos”. A população que vota é pessimamente atendida pelos serviços públicos. Já a Odebrecht é bem atendida pelas concorrências. A população que vota é abandonada pelos serviços públicos, e ela paga impostos extremamente altos. Qualquer um que pretenda se opor ao capitalismo de Estado deveria apelar à população para que os impostos que ela paga se revertessem em excelentes serviços públicos, e não num capitalismo de compadrio, não no desvio de dinheiro para o grupo de amigos do poder, não para alimentar câmaras de vereadores milionárias por aí, não para criar municípios ou até Estados.

Falando sobre educação, me preocupa muito quando se trata o tema da educação como um outro serviço público qualquer, e se trata esse tema como um tema que deve se subordinar a considerações da economia. Então, se explica que uma série de agentes privados poderiam fazer a mesma coisa que o Estado faz na educação por um custo menos e com eficiência maior. Então, você subordina toda a discussão da educação a uma discussão econômica de eficiência. Quem defende isso não entendeu o que é uma nação. A nação não é isso. A nação tem a ver com história, não só com economia. A nação é uma comunidade imaginada, é uma coletividade que imagina que tem um passado comum e um futuro comum. Quando se fala em educação pública, ela surgiu no curso do nacionalismo. Ela surgiu para sustentar a imaginação da existência da nação. O imaginário da existência da nação é sustentado pela educação pública, que produz o nosso passado, que fabrica a nossa tradição, fabrica as nossas datas, os nossos mitos de origem e por aí afora. É por isso que a educação é pública. Não é porque isso é mais eficiente economicamente.

Me preocupa um pouco quando se faz uma discussão que não leve em conta a importância extraordinária do Estado do ponto de vista político para a maioria da população e a importância extraordinária do Estado para certas funções simbólicas que ele deve cumprir. Eu acho que se se levasse essas coisas em conta, haveria mais chance de ganhar os eleitores para atacar o verdadeiro monstro: uma elite política que se entrelaça com uma elite econômica, eliminando a fronteira que existe entre as duas. É importante focar no verdadeiro monstro.

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