terça-feira, setembro 19, 2006

"O que a Lei não proíbe, ela permite"

Recentemente, eu estava relendo a Constituição dos Estados Unidos, que eu considero o melhor diploma legal da História, quando, ao reler o primeiro parágrafo da Emenda 18, que instituiu a Lei Seca, percebi que ela possuía uma brecha interpretativa. Ei-la:

Emenda 18

1. A partir de um ano depois da ratificação deste artigo, será proibida a manufatura, venda ou transporte de bebidas alcoólicas, assim como a sua importação ou exportação, nos Estados Unidos e em todos os territórios sujeitos à sua jurisdição.

Você conseguiu perceber qual é a brecha de que estou falando? Caso não tenha conseguido, eis a brecha: como você acabou de ler, esta emenda constitucional proibiu, durante anos, em todo o território dos Estados Unidos, a fabricação, a venda, o transporte, a importação e a exportação de bebidas alcoólicas. Porém, ela nada fala sobre o principal, isto é, o consumo de bebidas alcoólicas. Portanto, se eu tivesse vivido nos Estados Unidos no tempo de Lei Seca e tivesse sido preso e levado a julgamento sob a acusação de infringir a Emenda 18, eu alegaria inocência com base no simples argumento de que, na redação da emenda em questão, nada consta sobre o consumo de álcool. Assim sendo, segundo o princípio universal do Direito que afirma que o que a Lei não proíbe, ela permite, eu simplesmente não teria transgredido a Constituição em momento algum.

Para quem não sabe, a Constituição dos Estados Unidos é a menor Constituição do mundo. Ela é composta por 7 artigos e 23 emendas, emendas estas que foram 24 até a revogação da supracitada Emenda 18, mais conhecida pelo também supracitado apelido de Lei Seca. Ao todo, são 30 as leis constitucionais da Carta Magna mais simples, objetiva e eficiente da História, cuja única aresta foi devidamente aparada há várias décadas.

sábado, setembro 16, 2006

Médico é condenado à morte por mudar de idéia

O texto a seguir foi extraído de uma notícia que realmente abalou o mundo:

Abdul Rahamn, um médico afegão de 41 anos, enfrenta um processo no Tribunal de Cabul, capital afegã, por ter renunciado ao islã e se convertido ao cristianismo. De acordo com a Sharia, Abdul poderá ser condenado à morte.

O governo do Afeganistão está tentando encontrar uma saída política para o caso e admite-se que o médico possa vir a ser considerado inimputável por sofrer de doenças mentais.

Porém, qualquer que seja a decisão do tribunal, os líderes religiosos muçulmanos residentes em Cabul julgam que este cidadão deve ser decapitado.

Eis a minha opinião:

Realmente, peitar a Sharia é coisa de maluco!

Brincadeiras à parte, deve-se esclarecer que Sharia é o nome do código de costumes do islã, do qual emana todo o ordenamento jurídico dos Estados muçulmanos. Segundo a Sharia, o cidadão em questão cometeu o crime de apostasia, isto é, renúncia à religião que professava, tendo-se tornado, de acordo com o islã, um "infiel".

Porém, cabe salientar, também, que o cidadão cometeu, segundo a Sharia, algo que poderia ser tipificado como crime de "apostasia qualificada", pois além de ter renunciado ao islã, tornando-se, portanto, um "infiel", ele se converteu a outra religião, neste caso, o cristianismo. Usando de uma linguagem típica do direito militar, a título de analogia, pode-se dizer que perante a Sharia, este afegão, além de desertor, é traidor.

Este tipo de raciocínio e de atitude evidenciam o atraso civilizacional dos países muçulmanos, os quais, atualmente, matam apóstatas e demais "infiéis" a toque de caixa, esperneiam ad nauseam quando se deparam com charges ofensivas ao islã e/ou a Maomé, mas, paradoxalmente, calam diante dos atos terroristas perpetrados por irmãos de fé, atos estes muitas vezes ordenados e reverenciados por seus próprios líderes político-religiosos; tudo isso sob o manto sofismático e iconoclasta da Jihad, a guerra santa islâmica.

Pouca gente se lembra, mas há cerca de 3 anos, uma cidadã da Nigéria, país negro e muçulmano, foi condenada à morte pelo crime, previsto na mesma Sharia, de adultério, crime este pelo qual ela deveria ser apedrejada em praça pública. A cidadã só não foi executada graças à pressão de vários governos estrangeiros e de vários organismos internacionais empenhados em salvar a sua vida.

Este caso, bem como sua repercussão, tanto em termos de precedentes jurídicos quanto em termos práticos, foi uma prova cabal de que quando as ONGs e os demais grupos de defesa dos direitos humanos querem, eles ficam do lado certo.

segunda-feira, setembro 11, 2006

Os três homens que calaram o Maracanã

Poucas são as pessoas que dominam a arte de arrebatar as multidões, seja pelo verbo, seja pela atitude. Mesmo dentre as pessoas que têm por ofício apresentar-se freqüentemente diante de multidões, tais como os políticos, os palestrantes, os sacerdotes, os músicos, os cantores, os comunicadores, os atores etc., poucos são aqueles que possuem o dom de "dialogar" com as multidões e, portanto, comandá-las. Digo "dialogar" porque a grande maioria dos profissionais que mencionei acima não conseguem fazer com que suas platéias lhes dêem o devido feedback para que possa haver uma interação harmônica entre o emissor e seus receptores. Os mestres na arte do "diálogo" com as massas podem provocar nelas uma miríade de sentimentos e reações biológicas: alegria, tristeza, euforia, êxtase, risos, gargalhadas, vaias, lágrimas, ódio, paixão, nojo, inveja, rancor, ira, felicidade, tranqüilidade, paz-de-espírito, bem-estar etc., enquanto que aqueles que não sabem "dialogar" com as massas conseguem, no máximo, provocar dispersão (mental e/ou física), além, é claro, de sono, o qual, muitas vezes, pode ser constatado através de bocejos ou mesmo de roncos generalizados.

Porém, se você acha difícil agitar uma multidão, imagine calar uma. Imagine uma grande arena que tenha capacidade para abrigar milhares de espectadores. Um lugar em que, freqüentemente, são realizados espetáculos de massa extremamente emocionantes. A arena de que estou falando é o Maracanã, o maior estádio de futebol do mundo. Imagine-se fazendo qualquer tipo de performance perante todos aqueles milhares de pessoas. Qualquer coisa que você fizer durante sua apresentação pode arrancar ovações, risos ou vaias da multidão. Mas você consegue imaginar a façanha que seria calá-la? Você já parou para pensar em como deve ser difícil calar o Maracanã? Pois é. Realmente, trata-se de algo tão extraordinariamente difícil que apenas três homens conseguiram fazê-lo até hoje, em 56 anos de existência do estádio: Frank Sinatra, João Paulo II e Gigghia.

Em 2 de fevereiro de 1980, Frank Sinatra cantou no Maracanã. A multidão calou para ouvir A Voz.

João Paulo II, um dos maiores papas (senão o maior) de toda a história da Igreja Católica, calou o Maracanã duas vezes: em 1980, em sua primeira visita ao Brasil, e em 1997, em sua terceira e última visita ao País, ao consagrar, em ambas as ocasiões, a glória de Deus na grande arena da Cidade Maravilhosa.

Agora, você pode estar pensando: quem é o terceiro homem? Para quem não sabe, Gigghia foi o ponta-direita da seleção do Uruguai que, em 16 de julho de 1950, marcou o gol da vitória sobre o Brasil, então país-sede da Copa, aos 34 minutos do segundo tempo, numa bola mal-chutada, perto do gol, quase sem ângulo e que entrou, ao rés do chão, exatamente no minúsculo espaço que havia entre a mão esquerda do goleiro Barbosa e a trave.

Num lance confuso em que Gigghia fez menção de cruzar a bola para o atacante Schiaffino chutar e marcar mais um gol, como já havia acontecido minutos antes, quando Schiaffino empatou a partida, cujo placar havia sido inaugurado pelo brasileiro Friaça logo no início do segundo tempo, Gigghia se atrapalhou com a bola e acabou chutando a gol por acidente, convertendo seu arremate involuntário e fazendo 2X1 para o Uruguai, desempatando a partida, contra um Brasil que jogava pelo empate. Este chute despretensioso, um erro que virou gol, calou, numa fração de segundo, nada menos que duzentas mil pessoas, record de público do Maracanã e record mundial de público em toda a história do futebol.

Ademais, creio que a façanha de Gigghia foi ainda maior do que a de Sinatra e as do Papa, pois, afinal de contas, tanto Sinatra quanto o Papa eram o centro das atenções daquele microcosmo chamado Maracanã, enquanto que o gol de Gigghia, que deu a Copa de 50 ao Uruguai, foi algo absolutamente inesperado, pois Gigghia não era, até aquele lance, o centro das atenções do Maracanã, mas a partir daquela bola mal-chutada, numa fração de segundo do minuto 34 do segundo tempo da final da Copa, Gigghia tornou-se nosso carrasco, na nossa terra, na nossa arena máxima e no exato dia em que alcançaríamos a glória suprema da nossa pátria de chuteiras.

Enquanto A Voz e João de Deus calaram o Maracanã como Jesus Cristo, Gigghia calou o Maracanã como Pôncio Pilatos.

domingo, setembro 03, 2006

A ética de Macunaíma e o cristianismo torto de Apolinário

No início desta semana, assisti a parte do debate entre os candidatos ao governo de São Paulo, transmitido ao vivo pela TV Band. No terceiro bloco do debate, o mediador, Fernando Vieira de Mello, explicou aos debatedores que aquele seria o bloco em que os candidatos fariam perguntas uns aos outros. Quando chegou a vez de Plínio de Arruda Sampaio, candidato a governador pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), escolher a quem dirigiria sua pergunta, ele decidiu perguntar a Carlos Apolinário, candidato pelo PDT (Partido Democrático Trabalhista), qual seria a sua plataforma de governo na área econômica. Apolinário respondeu: Esta continuação do modelo neoliberal pelo Governo Lula está aumentando o abismo social entre ricos e pobres no Brasil como um todo, inclusive no Estado de São Paulo. Basta tomarmos como exemplo os lucros-recordes dos bancos nos dias de hoje: enquanto os banqueiros ficam cada dia mais ricos, mais cidadãos brasileiros despencam da linha da pobreza, tornando-se cada vez mais miseráveis. Porém, convém esclarecer que a solução para o triunfo do combate às desigualdades não é, em hipótese alguma, aumentar a carga tributária, pois ela já está pesada demais, e sim tomar dinheiro dos bancos". Ao ouvir esta declaração, desliguei a televisão, deitei-me no sofá em que estava sentado e pus-me a pensar não no que ele disse, e sim no que ele quis dizer.

Antes da minha análise, cabe um lembrete: Apolinário é pastor evangélico. Chamo-o de evangélico porque chamá-lo de protestante seria uma heresia, uma ofensa ao verdadeiro protestantismo, uma vez que as igrejas evangélicas que se proliferam no Brasil há mais de década, salvo raríssimas exceções, não têm quase nada a ver, em termos doutrinários, com o tradicional protestantismo euro-americano, fundado sob os princípios da moral capitalista, responsável pelo sucesso de nações como os Estados Unidos, que são o melhor exemplo de como a ética protestante (e não evangélica) e o espírito do capitalismo têm tudo a ver.

Traduzindo o que estou querendo dizer para uma linguagem mais simples e mais objetiva, o que, afinal, quis dizer Apolinário? Antes de responder a esta pergunta, analisemos a idéia de "tomar dinheiro dos bancos": os lucros dos bancos são propriedade de seus donos e acionistas, e de mais ninguém. Assim sendo, tomar seus lucros seria apropriar-se indevidamente de sua propriedade, isto é, roubar.

Estou acusando um sacerdote de ser ladrão? Sim, pois quem rouba é ladrão, nem mais nem menos; pouco importa se se trata de um sacerdote. Ele é um homem como outro qualquer, com os mesmos direitos e deveres. Porém, o fato de Apolinário ser sacerdote é um agravante do crime de roubo, afinal, ele está dando um péssimo exemplo ao seu rebanho. Em outras palavras, ele está pecando perante Deus e delinqüindo perante os homens. Ele delinqüe perante os homens ao pregar o crime de roubo, e peca perante Deus por sentir - e pregar - o pecado capital da inveja. Portanto, ele é duplamente, ou melhor, triplamente criminoso, pois está delinqüindo e pecando em pensamento, em verbo e, se eleito for, delinqüirá e pecará em ação.

O que diria Max Weber se observasse o avanço do evangelismo, isto é, do cristianismo macunaímico, no Brasil? Certamente, ele escreveria um livro chamado A ética de Macunaíma e o espírito do evangelismo. O que faria Martinho Lutero, líder da Reforma Protestante, se tomasse conhecimento do que se passa com o pseudo-protestantismo que campeia no Brasil de hoje? Certamente, ele faria vistas grossas aos crimes da Igreja Católica de então e continuaria conduzindo sua diocese como se nada estivesse acontecendo; isso sem falar nas 95 Teses, que ele certamente queimaria de desgosto ao ver que sua reforma seria em vão.

E para finalizar, o que falar de Jesus Cristo, então? Se ele voltasse à Terra e ouvisse a retórica sofismática e delinqüente de Apolinário, certamente diria a todos os cristãos do mundo: "Eu não sou cristão!"